sábado, 6 de junho de 2009

Seu Chico

Hoje fazem três anos da morte do meu avô.

Poderia aqui falar sobre o quão horrível foram seus últimos um ano e meio de vida, depois de uma série de incalculáveis derrames, e de o quanto todos que eram próximos sofreram com isso, divididos entre o egoísmo de querer que quem se ama continuasse conosco, mesmo quando para ele isso era um sacrifício muito grande, e o desejo de que ele não sofresse mais. Mas prefiro falar de como me lembro dele, e me recuso a guardar a imagem da sobrevida desse ultimo período.

Seu Chico teve cinco filhos e treze netos. Trabalhava todo dia da hora de abrir a mercearia para vender o pãozinho até a hora de fechar no inicio da noite, e no domingo de folga só ia descansar se fosse obrigado, sempre sonhou e batalhou pela expansão do seu comercio, que virou negocio familiar e realmente expandiu, apesar de ele não ter podido ver isso. Era completamente apaixonado pela minha vó, Dona Rose, lhe mandava flores em todo aniversario, e deve ser um dos poucos homens do seu tempo que tinha tal respeito pela esposa. Era teimoso e cabeça dura, do tipo que quando decidia fazer algo não havia cristo que convencesse do contrario. Diferente das demais pessoas da família e vizinhos, não era dado a fofocas, e nunca o vi julgando ninguém maldosamente. O único santista da família, admirador do Pelé, não era desses homens fanáticos por futebol. Fazia a barba todo santo dia, e usava Leite de Rosas após terminá-la, de tal forma que sempre que sinto esse cheiro me lembro dele. Era católico e tinha muita fé em Deus, mas nunca exigiu que eu lhe pedisse “benza”, alias me abençoava sem que eu pedisse. Cearense que migrou pra São Paulo, mesmo após 40 e tantos anos nunca deixou de ser cearense. Comerciante desde sempre, tinha grande habilidade com os números, o calculo rápido e de cabeça, a soma do valor das mercadorias e o troco a ser dado (habilidade que aprendi, com eficácia muito menor, no tempo em que trabalhei com ele). Os netos homens eram tratados de “caboclo macho”, e as únicas três meninas que conheceu foram princesinhas. Mudou para Caraguá nos anos 80, e progressivamente levou para lá toda a família, numa época em que nosso bairro nada mais era do que mato, e foi graças a sua atuação deixou de ser: sempre reivindicou melhorias para o local, água, luz, ponte, etc. Tanto que recentemente esse seu papel foi reconhecido, e a rua de sua mercearia recebeu o seu nome, fato que só tomei conhecimento ao me deparar com a placa (dispensável dizer o tamanho da emoção).


Porém a mais doce saudade não é de como me lembro dele (no fundo sabemos tão pouco dos que são mais velhos que nós), mas de como ele me via. Não esqueço um episodio em que estavam ele, meu tio e minha tia falando sobre as pessoas da família, ao chegar em mim ele disse “Ah, a Sara é um anjo de menina!”, meus tios riram e sacanearam, gostam muito de mim, mas me definir como “anjo de menina”, no mínimo, não era o termo apropriado. Mas meu vô manteve a opinião.

Eu só tenho a agradece-lo por me ver de forma tão bela, me desculpar por ter sido uma neta relapsa, me arrepender pelo tempo desperdiçado que não é mais possível recuperar, e dizer que tenho imenso orgulho de tê-lo tido como avô.

Saudades.

4 comentários:

  1. Lindo, estou aqui entre escrever e enxugar as lágrimas. Realmente o Seu Chico foi um grande homem e deixou muitos ensinamentos.
    Saudades dele

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  2. Que linda lembrança e linda homenagem escrita por vc, que bonito Sara, ainda não sei como é perder um avô, mas deve ser um tanto duro, pois a nivel de senso comum mesmo, os avós são os que mais protegem os netos em todos os sentidos...
    onde seu avô estiver, que esteja bem.!

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